Legislação

Mudanças na Lei de Recuperação de empresas

03/09/2020 11:30:00

Artigo por Gabriel Gehres, advogado da Cavallazzi, Andrey, Restanho e Araújo Advocacia

Mudanças na Lei de Recuperação de empresas

Por Gabriel Gehres 

Advogado da Cavallazzi, Andrey, Restanho e Araújo Advocacia

 

Utilizada da maneira adequada, garantindo a reorganização necessária para a manutenção da atividade e em busca da satisfação dos credores, a recuperação judicial é cada dia mais reconhecida como um importante meio para a superação da crise empresarial. Tal reconhecimento não representa a ausência de pontos a serem melhorados no instituto. Alguns pontos de melhorias constam do PL 6229/2005, recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, e visam uma maior efetividade na superação da crise. 

 

Um dos pontos inseridos no PL 6229 representa um incentivo ao financiamento das empresas em crise. Atualmente, a Lei n. 11.101/2005 oferta poucas garantias aos fomentadores do empresário que estão sob o regime da recuperação judicial e a alteração, embora ainda tímida, representa um grande avanço na área. É preciso, porém, entender os motivos que levam à importância dessa modificação da legislação atual. 

 

A ausência de garantias suficientes ao financiados da empresa em crise, de acordo com o texto atual da Lei, é o principal percalço para que as empresas consigam dinheiro novo, muitas vezes necessário para garantir a continuidade das atividades no início do processo. Atualmente, o único benefício, expresso no artigo 67 da Lei, dado ao fomentador é a preferência no recebimento do crédito em caso de falência da empresa em recuperação judicial, colocando-o como credor extraconcursal (ou seja, com recebimento fora do concurso de credores), conforme artigo 84 da Lei n. 11.101/2005.  

 

O aparente benefício do artigo 67 praticamente desaparece quando analisamos as situações práticas, em que a recuperação judicial é convolada em falência. Dentro da extraconcursalidade da falência, ou seja, dos credores que receberão seus créditos com referência, também há um concurso e ordem de preferência de pagamentos. Nesta ordem de preferência, os credores fomentadores da atividade enquanto a empresa atravessava o processo de recuperação judicial, acaso não estejam contemplados com algum tipo de garantia, serão os últimos a receberem seus créditos antes dos credores comuns. 

 

De forma mais resumida, o suposto incentivo ao investimento nas empresas em crise ainda é muito precário, sobretudo se analisada a posição que ficará o fomentador em caso de uma eventual falência.  

 

Como alternativa à precariedade deste incentivo, a atual legislação possibilitou ao devedor a oneração de bens de seu patrimônio (mediante hipoteca, alienação fiduciária ou outro tipo de garantia), o que, em tese, contemplaria um estímulo extra ao financiamento da empresa. 

 

Embora o intuito da Lei seja benéfico, devemos lembrar que a oneração do patrimônio só é permitida nas hipóteses autorizadas pelo plano de recuperação judicial, após aprovado, ou se reconhecida a utilidade da oneração pelo juízo da recuperação judicial. Na prática, contudo, esta autorização encontra entraves, seja pela imprecisão do tema nos planos de recuperação judicial, pela demora em sua aprovação ou até mesmo pela necessidade de reconhecimento da utilidade pelo juízo.

 

Visando todos os percalços existentes na legislação atual, o PL 6229/2005 incluiu um capítulo exclusivo ao financiamento do devedor em recuperação judicial e alterou outras regras da lei para estimular a entrada do dinheiro novo na empresa em crise. Ainda longe do cenário ideal para possibilitar o fomento necessário no mercado de crise, não se pode deixar de reconhecer o avanço legislativo que está por vir, acaso o texto seja aprovado pelo Senado Federal.

 

O capítulo dedicado ao financiamento do devedor em crise, a ser inserido na Lei de Recuperação de Empresas, prevê, de forma expressa, a possibilidade de se autorizar o financiamento do devedor com a oneração de patrimônio. O ponto interessante é que a autorização para onerar bens pode atingir patrimônio do devedor, seus sócios ou até mesmo de estranhos à organização social. 

 

Para incentivar a atrair os investidores, a lei passaria a prever uma regra de super preferência ao credor financiador em caso de falência, com a alteração da ordem de preferência no recebimento dos créditos extraconcursais. Tal alteração está prevista na modificação do artigo 84 da Lei n. 11.101/2005, onde o credor financiador seria o segundo na ordem de preferência, atrás apenas dos créditos extraconcursais estritamente salariais. A preferência é tão representativa, que o credor financiador passa a ficar à frente até mesmo dos pedidos de restituições previstos no artigo 86. 

 

Não apenas isso, o PL pretende permitir a constituição de garantias subordinadas, ou seja, a oneração de bens que já estejam em garantia a outros credores (desde que o valor do bem seja superior ao valor da dívida previamente garantida) e busca dar segurança jurídica ao investimento. Este último ponto prevê a manutenção dos benefícios ao financiador no caso de, já tendo ocorrido o desembolso do investimento, a decisão autorizadora ser revertida em segunda instância. 

 

Todos os estímulos dados pela nova legislação, porém, ainda encontram percalço em situação jurídica já existente no atual ordenamento da recuperação judicial: a necessidade de autorização do juízo da recuperação judicial. O capítulo reservado ao investimento das empresas em crise remete à possibilidade de oneração do patrimônio às regras dispostas nos artigos 66 e 67 da Lei hoje vigente. Como detalhado anteriormente, a necessidade de autorização judicial representa um entrave, não do ponto de vista jurídico, mas mercadológico e contrário à celeridade necessária ao caso. 

 

Ao se requerer a possibilidade de financiamento mediante a oferta de bens em garantia, geralmente, o devedor encontra-se em situação de necessidade extrema de recursos, seja para o financiamento de suas atividades (aquisição de matéria-prima, custeio de funcionários e prestadores de serviço etc.), seja para arcar com os altos custos para sua reestruturação (investimentos para melhoramento da atividade, custeio com o processo e  administrador judicial). A demora na decisão permissiva da oneração do patrimônio, portanto, pode representar impacto significativo no processo de reestruturação e na possibilidade de soerguimento da empresa em crise. 

 

Não se desconhece, nem se ignora, a impossibilidade de permitir a ampla e irrestrita oneração de bens, o que poderia gerar um esvaziamento patrimonial descontrolado, mas a manutenção da burocracia atual (mantida no PL) está longe de alcançar o propósito essencial do financiamento às empresas em recuperação judicial. 

 

De toda forma, ainda que o PL 6229/2005 não seja o ideal quando se trata do investimento em empresas em crise, devemos destacar o avanço a ser dado pela legislação, acaso o texto aprovado pela Câmara seja convalidado pelo Senado Federal. Ainda que de forma tímida, há o reconhecimento da necessidade de nova entrada de recursos e a possibilidade de oneração do patrimônio para a salvaguarda da atividade empresarial.